"Ratis mortis, urubis pertis" , Safravus

 

Cataplum


Uma voz a mais, a menos.


Na hora de procurar a bio:
Ram Rajagopal


Ler e Ouvir

quinta-feira, março 31, 2005

 

O MAIS IRRITANTE?

A história de Ricky Williams
parece que saiu de um livro de intrigas e mistério. Ricky Williams jogou futebol americano profissional chegando a liga como jogador sensação depois de ganhar o prêmio de melhor jogador colegial do ano, o Haysman Trophy pela Universidade do Texas em Austin. Eu estava estudando por lá enquanto ainda jogava pelo time da universidade. A maior surpresa era que além de ótimo jogador, ele era capaz de articular minimamente os seus pensamentos e sempre foi um bom aluno. Na liga de futebol americano isto é um grande diferencial.

Em seus primeiros anos jogando pelo New Orleans Saints, apesar de um contrato padrão para o melhor jogador que o deixou rico, ele nunca pareceu muito empolgado com a idéia de futebol profissional. Aceitou em parte porque gosta de jogar e em parte pela grana (US$ 2.4 milhões por ano). Só que o time dos Saints era péssimo e ele se machucou várias vezes durante suas temporadas por lá. Depois de temporadas razoáveis, foi contratado pelo Miami Dolphins, e por três anos jogou batendo os recordes de jardas da liga seguidamente. Tanto que todos acreditavam até num possível campeonato para os Dolphins em 2004, após um longo hiato em se qualificar até mesmo para as finais.

Mas Ricky Williams pensou diferente. Depois de ser pego em antidoping pelo consumo de maconha pela terceira vez, o que acarretaria suspensão por 4 jogos e um anúncio público do problema, resolveu deixar o futebol americano. Muitos jogadores consomem maconha na NFL, isso não é novidade. A maioria é cuidadoso para não ser pego no exame. Não foi este o caso. Mas a decisão mais surpreendente veio faltando algumas semanas para o início da temporada: ele estava abandonando a carreira, e se aposentando aos 27 anos, no auge de sua carreira e fama, e deixando de ganhar US$ 15 milhões pelos próximos 3 anos.

Este anúncio caiu como uma bomba e sepultou as chances do time de Miami. As razões apresentadas por Ricky Williams foram insatisfação profissional, vontade de experimentar liberdade, e a desilusão com seu próprio dinheiro e fama. Fãs e analistas esportivos condenaram o jogador, tachando-o de ladrão, por "roubar o dinheiro dos fãs", e de traidor de seus companheiros de time. Após o anúncio ele foi para Australia morar em um acampamento, que custa 7 dólares por dia, e passava o dia lendo (segundo ele, leu mais de 30 livros em alguns meses para descobrir quem ele era), fumando maconha e explorando a natureza. Voltou aos Estados Unidos, e resolveu cuidar do corpo e da mente, e estuda Ayurveda, a medicina herbalista indiana, e faz yoga e meditação na Califórnia.

Para quem achava que no fim das contas, ele teria saído de tudo ainda rico, no fim do ano passado, em uma decisão surpreendente, a corte da Flórida julgou que ele deve pagar US$ 8 milhões por quebra de contrato. Isto foi mais dinheiro do que ele arrecadou em toda sua carreira. Em sua última entrevista (veja o link acima), ele surpreendeu o apresentador afirmando estar bem mais feliz, mesmo sem ter um centavo, e diz não estar indignado com fãs e companheiros de time que até hoje tem um profundo ressentimento, pois eles tem razão. Em entrevistas posteriores e anteriores, já afirmou que "a opinião dos outros não vai determinar o que eu faço ou deixo de fazer. Não adianta ser infeliz, e agradar a todos. É melhor ser só, mas satisfeito."

O que surpreende nessa estória toda não é a reação ou saída de Ricky Williams do esporte. Todos sabiam que isto aconteceria uma hora ou outra, pois mesmo na Universidade do Texas ele já expressava seu descontentamento parcial com o que vislumbrava ser a vida de um atleta profissional. Ele também sofre de "Social Anxiety Disorder", uma daquelas neuroses identificadas nos EUA, que o faz se sentir desconfortável em público. O surpreendente mesmo foi a reação de articulistas, repórteres e formadores de opinião da televisão.

Pela primeira vez, quando confrontados com alguém que, seja lá por que razão for, não sente muitos remorsos, e nem tristeza por perder todo seu dinheiro, fama e sucesso em público, a análise que sempre resurge é: "um drogado egoísta, incapaz de compreender o melhor da vida". Infelizmente, os fatos indicam o contrário. Enquanto envolvido no esporte, Ricky Williams foi sempre um dos grandes modelos para todos jovens, inclusive mantendo uma fundação para educação de crianças pobres, e partcipando de programas para estímulo de leitura e conclusão de estudos para desportistas universitários. Fora seu "problema" com maconha, que na NFL é considerado coisa leve, dada a altíssima incidência de uso de cocaína e esteroides no esporte, Williams articulou bem os pontos negativos de sua carreira, e celebridade.

Por mais incrível que possa parecer, ele jogou futebol americano para conseguir uma bolsa para tirar um diploma em educação. Só que ele jogava excepcionalmente bem, melhor do que conseguiram prever na sua carreira de segundo grau. Pelo que diz, com a pressão para se conformar com o que "todos" fariam em sua posição, aceitou ir para NFL e ganhar milhões e jogar futebol. Gosta do jogo, mas detestou as obrigações da fama, como ser ditado o que vestir, onde estar, o que falar, e as consequências do dinheiro, como vários amigos pedindo dinheiro emprestado e pessoas que nunca falaram com ele se apresentando como grandes colegas.

Talvez, o que este caso venha expor seja justamente o nível de catequização social que a mídia faz. Quando alguém por experiência própria sente a infelicidade e solidão do estilo de vida pregado pela teve, pela ESPN, pelas revistas, a reação do meio cultural não é tentar descobrir os pontos de vista úteis desta angústia. Pelo contrário, a reação é atacar e destruir qualquer resquício de validade que esta idéia possa ter. Eu ouvi no rádio que nos EUA, uma pesquisa demonstrou que 70% se dizem insatisfeitos, e estariam realizados e felizes se ganhassem o dobro do que ganham. Ou seja, o cara que ganha 15 mil acha que felicidade é 30 mil, e o cara que ganha dois mil acha que é quatro. Isso na sociedade mais rica do planeta.

A sociedade de consumo não ataca somente através do dinheiro ou da promoção do estilo de vida "ricos e famosos". Ela aparece também de forma sutil em outros aspectos da sociedade. Um exemplo, são o consumismo por "idéias intelectuais" ou por notoriedade. Quantas pessoas não vemos hoje, que mesmo estando infelizes e confusas com sua própria vida, continuam a pregar as idéias que as mantêm naquele estado? "Não produzir" é visto como a derrota do ser humano, como uma grande vergonha. Muitas vezes aqui em Berkeley, eu já ouvi de alunos que é melhor "reproduzir alguma idéia" do que deixar de publicar. Ou que, uma carreira deve seguir uma sequência bem definida de passos para sua felicidade, sucesso e reconhecimento. Muitas vezes também já ouvi muitos alunos reclamando de solidão emocional e intelectual, frustração, falta de empolgação, mas quando questionados se estariam dispostos a trabalhar de forma diferente ou tentar algo novo, a resposta é sempre negativa.

Qualquer sistema incute um medo muito grande para que seus membros sequer pensem em desviar-se dele. Um amigo me disse uma vez, "É melhor ser parcialmente insatisfeito e frustrado, e ser professor do MIT do que tentar descobrir o que incomoda e não ser ninguém". Eu sempre questionei a validade deste tipo de pensamento. Quando algo não satisfaz, você deveria deixar de fazê-lo. Em geral é boa política terminar o que se começa, mas se nem isso você aguenta fazer, deixe-o pela metade, e sofra as consequências. É melhor isso, do que se imaginar aos 50 anos infeliz, frustrado e confuso. Porque lá, você ainda tem que carregar o piano de toda a moldura que você montou para sua vida, para exibir para a platéia.

Infelizmente, a nossa sociedade não evoluiu uma consciência coletiva do bem estar físico e psicológico de todas as pessoas. A lei universal dos direitos humanos deveria pregar que todo "homem tem direito ao bem estar físico e psicológico acima de todas as coisas", pois esta sim é a verdadeira e única liberdade. Não ter o tempo e a oportunidade de descobrir seus medos, desejos e paranóias, e poder trabalha-los para se tornar uma pessoa mais saudável é um grande crime. Cria uma sociedade de pessoas solitárias e neuróticas, forçadas a decidirem a todo momento "qual o meu próximo passo". Muitas vezes, acabamos fazendo o que se adequa melhor a expectativa dos outros, por não saber quais são os nossos próprios e verdadeiros sonhos e desejos.

Um amigo que conheceu o Rio de Janeiro, e estuda aqui, me revelou depois da viagem que "aquelas tinham sido as melhores férias da vida dele". Ele tem muito sucesso por aqui, em sua carreira e também fazendo coisas artisticas fora da carreira. Perguntei porque, já que sempre imaginei que fazendo o que gosta tanto, se sentiria bem feliz. Ele me respondeu que nunca riu tanto, e teve tanto tempo para pensar sobre a vida e estar em contato com a natureza, como no Rio de Janeiro. Me parece que no fim das contas, ter amigos, falar besteiras, nadar no mar, aproveitar o sol, e cuidar um pouco da saúde são certamente tão ou mais importantes quanto aspirar fama e fortuna. Pois o maior perigo é aspirar uma coisa esperando algo em troca (fama e/ou fortuna esperando felicidade), e chegando lá encontrar outra.

Como meu professor de estatística gosta de dizer, "vá viver um pouco, beber um café, se divertir. Se divirta profissionalmente também...". Num café, uma vez, deixou escapar "infelizmente o nosso departamento já cortou o barato da diversão com essa corrida louca". Mas se corrigiu logo depois "...ainda é um grande departamento". O nosso condicionamento é muito difícil de mudar. Mas mude!



nóia do Ram em quinta-feira, março 31, 2005/

quarta-feira, março 30, 2005

 
ESCRITOS E ESCRITORES

Leiam aqui o ótimo texto (e a discussão subseqüente) do Julio Daio Borges sobre escritores da geração atual. O Digestivo Cultural e o Na Cara do Gol, do Rafael Lima, são para mim as duas melhores resenhas culturais em português no momento, na internet e muito provavelmente fora dela (o que fizeram com a Bravo foi uma grande maldade).

A "nova onda" de escritores tem seu lado positivo, pois instiga e encoraja a todos a escreverem. Talvez ainda não seja a geração que vá produzir novos grandes clássicos nacionais, mas já é o bastante ser uma geração que parece ter recuperado um pouco a misteriosa "vontade de escrever".

Produzir, e muitas vezes reproduzir é necessário para gerar artistas com maior talento e profundidade. Uma das coisas arraigada na cultura brasileira é uma mania de perfeição as avessas: se você não é capaz de fazer uma grande obra, é melhor deixar de fazer qualquer obra.
Isso me parece presente não só em letras, mas também em muitas outras áreas, como no empreendedorismo e em engenharia. Este pensamento também gera o "fenômeno do medalhão", em que somente pessoas já reconhecidas e tarimbadas podem ser competentes. Basta observar onde os agentes, em esportes, engenharia e até música e literatura, costumam investir dinheiro no momento de crise.

A ausência deste pensamento é um dos fatores que faz os EUA serem um dos grandes celeiros de idéias da atualidade, mesmo gerando uma boa quantidade de obras de pouca qualidade. Por aqui, é melhor produzir e deixar o mercado e o tempo decidirem o que vai sobreviver, o que é melhor. Aqui as pessoas até te levam a sério, quando você afirma que vai derrotar uma IBM ou escrever um grande clássico.

Talvez um segundo fator chave para o florescimento de idéias nos EUA é a mistura étnica e social construida neste país devido a imigração. A imigração no Brasil está recomeçando agora, após longa pausa, com a vida de coreanos e chineses para o país. Se estes tiverem o apoio social do governo, como boas escolas e condições básicas de saúde, talvez acabem revelando várias pessoas criativas nas artes. O choque cultural é capaz de produzir bons escritores.

Vamos ver. Eu tenho certeza que logo teremos ótimos livros nacionais com boa vendagem, além daqueles escritos por celebridades como Paulo Coelho (que eu particularmente não gosto, mas parece ter conquistado amplo apoio de leitores do mundo inteiro). O próprio Digestivo Cultural e o Na Cara do Gol já se revelam cadernos de cultura muito melhores do que a maioria que eu li nos últimos 10 anos.

nóia do Ram em quarta-feira, março 30, 2005/

terça-feira, março 29, 2005

 

VIVER COM LIBERDADE

Você seria capaz de viver com liberdade?
Como seria a sua vida, se você soubesse que carma, paraíso/inferno são conceitos criados pela sociedade para controlar seus membros? Que ser caridoso, generoso ou "bom" não lhe compra nada no futuro? Que existem experiências além dos sentidos? De que "ajudar o próximo" começa por ajudar a si mesmo? Que sempre existirá uma grande parte da vida incompreendida por si próprio?

Inicialmente estas perguntas parecem mais uma retórica new age. Refletindo um pouco, estas perguntas estão no cerne da vida de muitas pessoas. A vida é uma coleção de experiências. Algumas experiências são típicas, e outras diferentes, atipicas. Um exemplo comum de experiência além dos sentidos, é descobrir algo novo sob sua própria perspectiva, como resolver um teorema de dever de casa. Ou ainda, experimentar algo desconhecido, com uma mente aberta, como por exemplo, comida indiana ou um novo esporte.

Os conceitos de paraíso, carma, inferno existem para regularem nossas experiências. São mecanismos para previnir ações impensadas e fora de linha com o desenvolvimento de uma sociedade saudável. Quando levadas ao extremo, perdem o propósito e se tornam a neurose e morte dos membros da sociedade. Exatamente como qualquer lei. A lei é um mecanismo de controle, que quando levada ao extremo, mesmo que tenha justificativas plausíveis, cria neuroses, e destrói todo semblante de harmonia e paz na vida das pessoas.

Para se viver bem, basta se viver com inteligência. A inteligência de refletir sobre atos e consequências e para ter coragem e buscar novas experiências que sejam saudáveis para o corpo e a mente. Um pessoa inteligente e egoísta é capaz de reconhecer no seu próprio egoísmo o fruto do seu sofrimento e provável futuro tormento mental. A inteligência também é capaz de reconhecer quais são nossos problemas e dificuldades, assim como nossa capacidade e pontos fortes. Uma pessoa inteligente digere experiências sem torná-las uma obsessão.

Mas como a inteligência pode gerar as idéias que muitas destas leis induzem, como compaixão, que a longo prazo beneficiam a sociedade? Uma pessoa inteligente entende que a única maneira de ser feliz aqui e agora, é viver o presente, sem antecipar o futuro, e deixando o passado para trás. Entende também que ao dividir experiências com amor e compaixão, a sua própria vida se torna mais alegre, simples e feliz. Sim, todos temos que resolver nossas próprias dificuldades, mas as experiências de outros podem ser sugestões do que tentar e do que evitar.

A inteligência é também capaz de nos manter completamente abertos a novas experiências. Observando minhas ações e idéias, eu estou aprendedo a ver onde ajo com preconceito, e onde neuroses aparecem por idéias que foram cristalizadas sem se basear na realidade. O medo induzido pelo medo de morrer, associada com a pressão das leis e dos "templates de vida" apresentados pela sociedade, certamente é uma de minhas maiores fontes de neurose.

Usando a inteligência podemos identificar quais desejos e idéias são verdadeiramente importantes para nós, e quais são ruído ambiente, induzidas pelos outros, ou por nossos próprios medos e temores. Me parece que quando tentamos satisfazer nossa verdadeira natureza, somos mais felizes e tranqüilos, do que quando satisfazemos as idéias que os outros, inclusive nossos pais, tem sobre nós. Melhor também do que satisfazer idéias geradas por "leis".

E finalmente, a coisa mais bonita que a inteligência pode trazer é a capacidade de voar, apesar de observar nossa própria dor e incerteza. Se você tenta compreender a raíz delas, vai se sentir confuso, pois sem dúvida a raíz é nossa própria personalidade. Por outro lado, aceitando todas fraquezas,se você ainda tenta experimentar a vida, o mundo, o amor, a alegria, a natureza, as idéias, sem se cobrar muito, aceitando o destino onde a vida nos leva, seja ele bom ou ruim, como consequência temporária, você pode voar livre. E ouvi uns dias atrás que fomos todos feitos para voar...

PS: A inteligência a que me refiro, é a inteligência natural de todas pessoas. Eu acho que todo indivíduo corajoso o suficiente, tem inteligência suficiente para entender o necessário sobre sua própria mente e desejos. A coragem é porque isso pode induzir tristeza e depressão, e uma urgência para nos adequar. Com coragem e paciência esta urgência some, e o que fica é muito bom.



nóia do Ram em terça-feira, março 29, 2005/

segunda-feira, março 28, 2005

 
PÁSCOA EM BERKILEI

Os ovos de páscoa aqui são uma decepção. São ovos cozidos pintandos, e ovos de plástico recheados de balinhas. Os de chocolate são pequeninos. Saudades da época em que andando por um parque no dia seguinte da páscoa eu era capaz de encontrar, sem querer, um ovo tamanho 19 escondido atrás de alguma árvore...

O assunto do momento é a vida e morte de Mrs. Schiavo. Como sempre, por aqui muita gente grita certa de sua opinião. Quem sabe como agiriam se fosse a própria filha ou esposa? Além da lamentável intromissão do sistema político americano, é também lamentável falta de compaixão dos liberais daqui que não se incomodam em aceitar uma pessoa morrer por inanição, já que "médicos afirmam que ela nada sente".

Jesus mesmo deve ter tido seu momento de clareza, quando se deixou crucificar. Entendeu a loucura da sociedade, a indolência, a hipocrisia e o fanatismo. Por compaixão, reapareceu no Domingo. Uma boa lição não? Quem se apega a Cristo e não aos seus ensinamentos, perde o mestre. Quem nega tudo, nunca descobre coisa exceto criar caos e destruição.

nóia do Ram em segunda-feira, março 28, 2005/

 
PAU NO FREUDOLINO

A maioria das pessoas que eu conheço que fez análise me parece resignada, ao invés de funcional. Algumas delas se tornam neuróticas e outras mais deprimidas do que quando iniciaram. Os terapeutas sempre oferecem a desculpa que um pouco mais de consultas, alguns antidepressivos a mais e a situação melhora. Infelizmente, o antidepressivo é uma solução temporária, porque quanto mais se toma, menos efeito faz, afinal os pensamentos e idéias que induzem a depressão e confusão mental são como bactérias: na presença constante de um antibiótico, uma geração mais forte aparece.

Mas o que esperar da pisicoanálise quando ela não oferece atividades para modificar os pensamentos da mente? Eu diria até que é um pouco pior. Como confiar em idéias que originaram de um homem infeliz e frustrado que analisou um bando de malucos? Analisar loucos para concluir como pensam pessoas saudáveis é para lá de duvidoso. Menos estável ainda é confiar a sua saude mental, nas idéias de um homem que foi incapaz de compreender suas próprias dificuldades e saúde mental...

Eu mesmo não sou exemplo para nada. Mas uma coisa eu aprendi nestes anos estudando em boas universidades, e conhecendo pessoas que atingiram excelência em suas áreas: aprenda com os melhores, mesmo que você mesmo não seja um; Os melhores são aqueles capaz de ensinar a arte, e de aplica-la com eficiência. Um exemplo, meu professor de probabilidade. Além de entender probabilidade teóricamente, ele é um bom professor, e o melhor, é capaz de aplicar teoria da probabilidade nas mais diversas situações.

Talvez a psicoanálise possa ser o início do caminho, mas me parece que a sociedade que esta arte gerou é paranóica, incompreendida e solitária. Exatamente como o pai da arte. Talvez um bom complemento para psicanálise sejam esportes, aprender alguma arte ou instrumento musical, viagens, meditação e ler e compartilhar a vida de pessoas diferentes e contentes. Uma espécie de choque de experiências!

PS: Existem muitas coisas além da mente.

nóia do Ram em segunda-feira, março 28, 2005/

quinta-feira, março 24, 2005

 
ELITISMO?

Antes que se multipliquem as acusações de que sou elitista, para se juntar a "homófobo, nazista, de direita", só uma observação. O que irrita na política brasileira não é a partcipação da população ou mesmo como a maioria dos brasileiros votou e compreende a política nacional. Boa parte da população está travando lutas para viver mais ou menos, e quase não tem acesso a educação de qualidade e a padrões bons de vida.

O que é deprimente é presenciar o arrego das pessoas que tem acesso as coisas. Isto é indesculpável. Assim como é indesculpável o provincianismo e falta de ousadia e mesmo curiosidade da maioria destas pessoas. Nosso país congelou no ano de 1800 e pouco, com portugueses expulsando todos que não eram fãs de determinados tipos de pensamento cultural e econômico. Parece que este gene maluco sobreviveu até hoje no Brasil.

A sorte é que daqui a pouco a geração video-game vai estar ensinando nas escolas, e estas pessoas se não são necessariamente grandes conhecedores dos "classicos", ao menos tem um maneira bem diferente de pensar da geração atual. O estudo de sistemas dinâmicos revela que para levar o sistema para um caos equilibrado é suficiente injetar um sinal um pouco diferente daquele aplicado continuamente. Este sinal não precisa ser eficiente sob nenhuma hipótese...

Uma vez, me perguntaram: "mas se não é para levar Brasília a sério, fazer o que?". Faça qualquer coisa, leve a sério, se envolva, mude, lute. É uma escolha... Agora só não me diga que pedindo arrego a quem está aí, você está mudando estas pessoas. Como eu aprendi no filme do Guerrilheiro Guevara, as vezes é necessário coragem para mudar as coisas, dando um pé na bunda do sistema que você sabe que é viciado, deprimente e incompetente. Outro dia também li em algum lugar que "ser realista não é função do homem inteligente".

PS: Muitas pessoas se irritam com provocação. Acham que provocação não leva a nada. Tem toda razão. Por outro lado, é ou não é provocação o que acontece no pensamento intelectual brasileiro? É uma provocação contra a boa vontade...

nóia do Ram em quinta-feira, março 24, 2005/

 
INTERVENÇÃO JÁ?!

Se você já cansou da política de Brasília, já cansou de ler no noticiário declarações do José "Espião de Cuba" Alencar, já cansou da acomodação e tapinha nas costas dos "formadores de opinião" do seu país, então está na hora de pedir intervenção já! Aproveite a viagem de Donald Rumsfeld, o detestado secretário de defesa norte-americano e partcipante do Big Brothel Brasil, que está de férias no Brasil visitando a Amazonia, jogando bola com o líder Squid, e trocando um plá com o enviado especial de Cuba no Brasil, Zeca Dirceu. Se ambos (donnie e zeca) são detestáveis, ao menos um tem o poder que imagina ter.

Política brasileira só tem uma solução: intervenção! Chega de fingir que está tudo bem, que "Lula" é uma benção para democracia no Brasil, que "Farcs", "Dirceus", "Fideis", "Fome Zero", "Pobreza" são conceitos levados a sério pelos nossos deputados, senadores, ministros, e outros beneficiários de salários de 10 mil reais, mais casa, 4 passagens de avião por mês, 39 mil reais por mês para assessores, gabinete, secretária particular e a babação de ovo dos medrosos intelecutais nacionais, que sabem que se não se pendurarem no rabo destes senhores, serão somente um grande zero a esquerda, a direita e ao centro.

O Brasil parece sofrer hoje, do mesmo mal que a Índia sofria uns vinte anos atrás, quando o importante era ser exemplo para o mundo. Na Índia diziam, vamos ser exemplo para o mundo, e levar a questão da Cashemira para ONU. Vamos ser exemplo para Europa, e defender com ardor idéias socialistas. E coisas assim. Até que um dia, todo mundo se cansou. Os jovens mais ambiciosos vieram para a América de Glória Perez, e de cara entenderam o que os posers do mundo inteiro não conseguem entender: não importa a opinião que os outros tem sobre o seu país, e ainda mais, não ainda se importar como o país está na escala da "dor de cotovelo da esquerda com os pobres coitados" se não houverem oportunidades e desenvolvimento. Resolveram abordar a transformação do país de uma maneira diferente, e de acordo com as tradições e costumes indianos.

O que mudou por lá? Políticos em sua maioria são corruptos, mas os oficiais que tomam decisões em áreas técnicas são razoavelmente competentes. O sistema educacional que mostrava sinais de declínio foi o primeiro a se beneficiar de uma injeção de capital privado, com universidades públicas independentes e uma multiplicação de universidades particulares. Na área agrícola, o próprio governo teve interesse em investir melhor o parco dinheiro que tinha, afinal era a maneira de garantir votos. E na área internacional, o país entendeu que nenhum país do mundo é um grande aliado ou um grande inimigo. Todos países são interesseiros, vide o que a ONU causou na Cashemira (ignorou a situação), quando a Índia levou a situação para este orgão depois de derrotar o exército paquistanês.

Por fim, uma outra coisa mudou também: a mentalidade do indiano hoje está mais de acordo com a tradição do país. Lá uma pessoa ignorante, é compreendida como uma pessoa ignorante. Um cara despreparado, é um cara despreparado. Uma pessoa inteligente pode ser pobre ou rica. Uma pessoa ignorante raramente consegue mudar sua própria situação. E um homem que chega ao poder pode ser inteligente, esperto, e até preparado, mas o que importa mesmo são os resultados do que ele fez quando esteve por lá. Acabou essa estória do "ao menos representa bla bla bla bla". Incompetência é incompetência, e só quando os indianos aceitaram assumir isto é que o país mudou.

O indiano tem uma grande tolerância para levar porradas de sua auto-crítica. Isso parece que ajuda quando as coisas não estão indo como previsto. Talvez esta coisa da auto-crítica esteja em baixa no Brasil... Ainda mais na era do Big Brother Brasil. Ao menos então, Jean - o intelectual - para presidente!

nóia do Ram em quinta-feira, março 24, 2005/

segunda-feira, março 21, 2005

 
PROBLEMAS DE BRINQUEDO

"It is a safe rule to apply that, when a mathematical or philosophical author writes with misty profundity, he is talking nonsense" - A. N. Whitehead, matemático

O Globo parece bastante preocupado em promover sua novela "América", e se utiliza de um "pseudo-debate" em que pessoas expressam suas opiniões e ora endeusam a fuga para a "América" (do Norte), ora esculhambam os que fugiram porque "dinheiro não é tudo", etc, etc. O volume de mensagens recebidas pelo debate demonstra o interesse da população, especialmente de classe média baixa, pelo assunto.

Infelizmente, o tal debate é somente uma fachada promocional. Um verdadeiro debate sempre parte de um conjunto de premissas, no caso mal estabelecidas. Sem premissas, modificando-se contextos, podemos ter qualquer ponto de vista como um ponto de vista válido. Se o contexto for imigração ilegal para os Estados Unidos, vis-a-vis a vida de classe média baixa no Brasil, talvez haja um consenso. Se o contexto for estabilidade emocional de um imigrante, o consenso provavelmente é outro.

Uma segunda informação fundamental em um debate é sobre as experiências dos partcipantes. Debates são interessantes quando envolvem poucos partcipantes com um amplo espectro de experiências. Se tornam menos interessantes quando se polarizam ao redor de idéias preconcebidas ou ainda mais quando se tornam arenas para defesas de idéias sem apoio de experiência.

No jargão de engenharia, um bom debate é o equivalente ao estudo de um "toy problem": um problema simplificado, através da inclusão de premissas claras, que capture a essência de um problema de interesse da comunidade, e cuja solução provê insights sobre o problema real.
A vantagem do "toy problem" é que ele pode ser analisado teoricamente, e as características de sua solução verificadas na prática, dentro de experimentos conduzidos diante das premissas propostas.

Muitos "toy problems" podem ser construídos para uma mesma questão. Boa parte deles não é interessante. Um modelo interessante envolve um pequeno número de variáveis, e poucas (ou nenhuma) premissas não naturais. Um bom "toy problem" também fomenta idéias claras sobre o design da solução para o problema real original. A simplicidade e beleza da formulação de um "toy problem" são importantes. Mas estas qualidades estéticas não são tão importantes quanto a relevância do modelo e a naturalidade das premissas. O que faz do "problema brinquedo" uma arma poderosa para compreensão é a sua previsibilidade teórica, acoplada a imposição de premissas claras. Estes dois fatores permitem concluir coisas como que premissas são essenciais para resolver o problema original, e que tipos de comportamento a solução do problema original pode vir a ter.

Um dos grandes problemas da pesquisa na área de engenharia, e outras ciências matemáticas, é a proliferação de problemas-brinquedos despropositados. A noção de publique-ou-morra vigente, que equivale a grite sua opinião-ou-desapareça, acaba levando engenheiros e cientistas a construirem uma série de "toy problems" irrelevantes, mas que devido a sua complexidade matemática, e a sequência de teoremas e definições, com referências a livros e papers importantes da área, são publicados em jornais de alta reputação.

Na maiora das áreas que ja estudei com um pouco mais de cuidado, para cada um ou dois modelos interessantes, noventa modelos dispensáveis são apresentados e publicados. Eu já ouvi falar até de exemplos que provam belas teorias, só que as premissas assumidas impõem que a subclasse de problemas reais capturadas pelo modelo é vacuosa. Um exemplo hipotético seria assumir que a viscosidade de um fluido é sempre maior que o logaritmo da turbulência, e provar a existência do ponto fixo na relação de Navier-Stokes para fluxo de fluidos. Só que é impossivel esta relação (viscosidade maior que logaritmo) existir. Este tipo de furada é mais comum do que se imagina, e acontece de muitas formas sutis. Outras furadas são provar centenas de resultados sobre um modelo, quando um ou dois são suficientes para caracterizar tudo que aquele modelo pode prover de insight. Gritar alto, e bastante, idéias vacuosas não são um bom debate.

O pseudo-debate já era um problema em todas áreas do conhecimento, e com certeza na ciência nos últimos 100 anos. Com a proliferação dos meios de comunicação em massa, e os sistemas que permite contato e partcipação em tempo real, o pseudo-debate está tomando conta também das atividades políticas e estudos sociais. Ela é uma arma perigosa e polarizadora. Prestando um pouco de atenção se percebe que a maioria dos debates não visa obter um consenso sobre uma grande questão, ou mesmo insights sobre a solução da grande questão e compreensão dos efeitos das premissas na resposta. A maioria dos debates visa sim o apareça-ou-morra, em que se você não aparece o suficiente, desaparece dos meios de comunicação.

O grande problema do pseudo-debate é que a maioria das pessoas não tem consciência de quando está assitindo a um verdadeiro debate ou a um pseudo-debate. Uma falha do sistema de educação e dos pais, que tem a obrigação de incutir e motivar a criatividade e o senso crítico dos seus filhos.

Ter senso crítico não é só uma questão intuitiva ou estética. É também saber os limites dos próprio conhecimento. Somente com uma noção dos limites do meu próprio conhecimento consigo avaliar a validade de um modelo de brinquedo. Senão as vezes um "toy problem" despropositado pode parecer uma obra de arte, simplesmente por suas belas e complexas construções que eu não havia visto antes.

Um bom debate tem apelo para todas pessoas, especialistas ou não. Um debate ruim tem apelo para torcidas organizadas, e para não especialistas, que muitas vezes não o destinguem do debate bom. Para nossa sorte, existem características que podemos usar para avaliar a qualidade do debate, mesmo sem sermos especialistas no assunto. Podemos perguntar: estão as premissas claras? Há uma questão maior? O assunto debatido é relevante para esclarecer a questão maior original? As premissas parecem ser razoáveis e naturais? A questão é bem definida o suficiente para permitir conclusões razoáveis e interessantes? Se houver um consenso no debate, ele permite insights importantes para desenvolver a questão original? Qual a relação entre o debate atual, e debates anteriores sobre a questão em debate?

Para avaliar a qualidade de um debate, ex-post (ou seja, depois do fato), podemos nos perguntar se alguma idéia interessante e surpreendente surgiu do debate, ou se algum consenso razoável emergiu sobre a questão.

Esta política do bom debate deveria ser adotada com uma firmeza maior em áreas não científicas. A arma do pseudo-debate vem sendo utilizada cada vez mais mundo afora. No Brasil, o PT gosta de utilizar este expediente para se sobressair nas manchetes de jornal. Um exemplo simples é o debate dos gastos públicos, onde se contrapõem sem muito critério ou clareza noções como "gastos com classe média" e "miséria". Da maneira como o debate é conduzido, com um pouco de persistência e gritaria, todos pontos de vista parecem razoáveis. Ou seja, é um péssimo debate, com o simples intuito de prover um meio para os debatentes aparecerem na foto, ou construirem o seu ego. É bom ficar de olho no que é um bom debate, uma boa análise, e no que não é, antes de expressar opiniões e gastar calorias.

nóia do Ram em segunda-feira, março 21, 2005/

domingo, março 20, 2005

 
FALTA DE FÉ?

A maioria dos jovens parece carecer da crença em alguma coisa. Um mundo sem muito chão, sem âncoras, inicialmente parece prover liberdade extrema, mas depois se revela uma grande prisão em que existem poucas possibilidades de crescimento, poucas belezas encantadoras, poucas coisas que conquistam a nossa alma. Pior, muitas pessoas me repetem que se trata de um lugar frio e solitário, onde vence o mais forte.

Pensando um pouco no assunto, talvez o que falte não é crença, mas sim paciência e tolerância. Muitas coisas bonitas e legais da vida se perdem por pura falta de paciência ou falta de tolerância. Quantos desentendimentos, mentiras, paranóias não poderiam ser evitados se todos fóssemos mais tolerantes e pacientes? Mais importante, com um pouco de paciência podemos até observar Deus na natureza, ou milagres.

É muito díficil até falar num assunto destes hoje em dia. Mesmo depois que Godel provou a falibilidade de uma estrutura lógica para representar o conhecimento, mesmo depois que os físicos demonstraram a aleatoriedade probabilística dos elementos que nos compõem, preferimos viver na certeza das ações e conseqüências. Não adianta ser muito inteligente, sem se ter um pouco de ingenuidade. Como também não adianta ter muita raiva sobre o estado das coisas, sem a disposição para mudar a si próprio.

Talvez, estejamos vivendo uma juventude incômoda pela negação total de qualquer idéia ou conceito. Por outro lado, é uma negação muitas vezes cega, que não advém da observação ou experimentação. Uma analogia é a situação da matemática nas escolas: ela é apresentada como fria e lógica, uma espécie de estrutura mecânica de conhecimento. Mas na verdade é uma área que com um pouco de paciência e carinho, revela idéias lindas, momentos maravilhosos de descoberta, e não requer décadas de conhecimento acumulado para se fazer descobertas.

A vida é um pouco assim como a matemática, todos, desde o mais moleque até o mais idoso podem descobrir algo precioso a qualquer instante. O momento em que se descobre algo, é um grande milagre. É inexplicável de imediato, que para mim é definição de milagre.

A resposta ao niilismo do dia a dia, é o vigor com que muitos jovens defendem causas e ideias, e esposam idéias diferentes a cada segundo, sem muito critério e na maioria das vezes seguindo alguma moda da época. O que para mim seria um dos grandes benefícios da sociedade, experimentar muitas idéias diferentes, se perde, porque são tantas as modas, idéias e correntes, que o caráter experimental de hipótese, experimento, observação e conclusão se perde. O modismo se sobrepuja ao conhecimento.

Sobreviver aos modismos, não resolve o conflito imposto aos jovens de hoje. O niilismo é muito bom para quem manda, quem controla. Ele é pessimo para quem está nascendo agora. A negação dos sonhos e possibilidades impossíveis, acaba por tornar a vida fria, recheada de "cálculos" e previsibilidade, presos ao nosso próprio medo de acabar se tornando o nada, o vazio que a sociedade apresenta ideologicamente.

Talvez sejamos todos nadas, vazios. Mas mesmo assim, não devemos ser frios e calculistas. Ou muito menos, tirar conclusões precipitadas a todo instante, negar todas possibilidades, somente porque esta tem sido a tendência da sociedade. Neste sentido, compreender, celebrar e aceitar o próximo, é compreender e aceitar a nós mesmos. E talvez, seja este um dos milagres que somos capazes com um pouco de paciência e tolerância.

nóia do Ram em domingo, março 20, 2005/

 
RESPOSTA DA LAMA

Por um tempo andei observando o que acontece e aconteceu no Tibet. Conversei com muitos chineses e tibetanos, e ainda com monges budistas para saber o que se passa naquele pequeno anexo da China, que por via das dúvidas, historicamente sempre foi independente, inclusive recebendo proteção de reis indianos e mongóis e imperadores chineses.

É fato consumado que a China e seus frios intelectuais comunistas promoveram uma limpeza étnica em massa, através da imigração induzida de chineses para a região. Os chineses ganham incentivos financeiros, como dinheiro vivo e moradia, para ir para o Tibet. O que não se noticia muito é que os chineses imigrantes ao chegarem no Tibet, descobriram que tibetanos não eram chineses. Nem na cultura, nem nos hábitos, nem historicamente, nem na índole e muito menos na fisionomia. Mas isso já foi bem posterior ao processo "civilizatório" imposto pelos chineses.

Segundo a maioria dos fatos históricos que consegui agregar, o Tibet sempre foi uma região pacífica, agrícola e com a maioria da população dedicada as tradições de filosofia e espiritualidade. Inclusive, a região nunca contou com exércitos porque a proteção era provida pelos reinos vizinhos, devido ao impressionante conhecimento filosófico e prático que os muitos monges intinerantes levavam as cortes chinesas, mongóis e indianas.

Para um ocidental é muito complicado entender como pode existir uma sociedade, mesmo pequena, em que a maioria das pessoas tem uma crença completamente diferente das outras sociedades próximas. Ainda mais sendo esta uma crença que inclui a certeza da reincarnação, a exaltação da divindade no homem e a entrega sistemática a exploração espiritual por uma parte da população, enquanto a outra sustenta esta primeira parte, e ao mesmo tempo desenvolve folclore, tradições e o crescimento espiritual dos indivíduos. Entretanto, não é tão complicado se compararmos o que acontecia no Tibet com a sociedade pregada e implementada por Jesus há dois mil anos atrás. Os valores são parecidos e a busca dos membros da sociedade é praticamente igual: encontrar paz, simplicidade e a liberação do sofrimento.

Talvez a analogia termine quando a igreja institucionalizada aceitou pregar guerras, por desejo de conversão cristã. No pensamento budista, o processo de conversão não existe, porque a compreensão espiritual é um processo individual, que não pode ser imposto. A idéia budista é que cada um siga o seu caminho para espiritualidade, mas para aqueles com dificuldades em descobrir seu caminho, o monstério com suas regras, regimentos e tradições provê a primeira direção, uma base. Os monastérios tibetanos produziram alguns dos grandes pensadores espirituais do último milênio. Além disso, guardavam em suas bibliotecas, extensivos tratados de pesquisa escrito pelos monges. A pesquisa destes monges sempre visou tentar compreender como funciona a mente, como expandir as reservas de energia do organismo para se ter uma vida mais ativa e saudável, e finalmente, em como observar os reflexos da realidade na nossa mente.

Talvez por se aterem ao hábito antigo de escrever com metáforas, e se utilizar de imagens espirituais para registrar sensações e insights, alguns tratados budistas podem acabar parecendo pregar fantasias. No entanto, o Budismo, diferentemente da maioria das tradições orientais, é bastante conservador em relação ao assunto: todas "divindades" e "sensações espirituais" não representam verdade alguma. A verdade é pura e simples, e os métodos utilizando imagens religiosas ou controle das sensações, são um dos caminhos para relaxar a mente e o corpo, e nos capacitar para reencontrar esta verdade. "Verdade" não confere poder algum ao indivíduo, somente o faz capaz de compreender seu próprio sofrimento e insatisfação.
É baseado nestes princípios filósoficos, que a maioria dos monastérios budistas foi estabelecido, e ao menos os grandes mestres do budismo costumam incitar.

Mas existe uma outra verdade: nenhuma sociedade existe sem a confluência de uma instituição política. As instituições políticas do Tibet eram simples e rudimentares, como uma espécie de feudo onde alguns monges budistas tem o poder decisório. O líder político é sempre o Dalai Lama, que reincarna para servir politicamente o povo tibetano, e sua reincarnação é identificada pelo segundo em comando, o Panchen Lama. Na prática, os lamas e a população eram indistinguveis, apesar de eventuais abusos de poder. Quase toda família tibetana tem um ou dois filhos num monastério, e esta relação garantia uma estabilidade para a sociedade como um todo. Se não era o melhor dos mundos, certamente era bem melhor do que acabou acontecendo com a limpeza étnica chinesa.

Com a invasão chinesa ao Tibet, feita em etapas, algumas coisas mudaram. Num primeiro momento, a China negou completamente o Budismo, e a prática budista, e isto levou a um levante popular no Tibet. Monges e a população que havia inicialmente recebido os chineses de braços abertos, se armaram e entraram em confronto com a guarda chinesa. Apesar disto, os chineses destruíram e desmantelaram muitos monastérios, tomaram terras a pretexto de reformas, e queimaram muitos livros e quadros da tradição budista. Por alguns, impediram por completo a prática das várias atividades foclóricas do local. Seria como impedir a comemoração do Natal no Brasil. Outro exemplo de arbitrariedade foi forçar todas as escolas locais a tornarem o mandarim a língua oficial, e impedir a instrução em tibetano. Isto impediu a transmissão da cultura na escola, e também formou uma grande massa de analfabetos no Tibet.

O Dalai Lama fugiu para o exílio no dia anterior que sua residência foi destruída pela artilharia chinesa. Após muitas tentativas de envolver a população local economicamente - inclusive numa idéia estúpida e falida de Mao de plantar trigo na região -, os chineses perceberam que não havia como influenciar os hábitos dos tibetanos, e decidiu pela invasão étnica. Pela própria cultura do tibetano, eles tinham poucos filhos e isso facilitou ainda mais o trabalho dos oficiais chineses. O processo civilizatório culminou com o estabelecimento de boates e bares, em cidades como Lhasa que nunca tiveram tal atividade. Com o aumento da população chinesa, ao invés dos tibetanos se enriquecerem e se integrarem aos padrões ocidentais de desejo e consumo, estes terminaram marginalizados e abjetamente pobres. O choque cultural impediu as tentativas forçadas de integração.

Os chineses sofisticaram seus métodos, e passaram a permitir que monastérios operassem no Tibet, desde que todas atividades espirituais fossem vigiadas pela polícia chinesa, e não involvessem discussões sobre desigualdade ou condição humana que fossem contrárias as determinações do Partido Comunista. Em mais um exemplo das aribtrariedades chinesas, um menino identificado como o Panchen Lama pelo Dalai Lama, foi posto em prisão residencial, e o líder do Partido Comunista sugeriu um novo garoto para ser o "Panchen Lama". Segundo a tradição local, o Panchen Lama é capaz de identificar a reincarnação do Dalai Lama, que seria novamente o líder espiritual dos tibetanos. Desta forma, os chineses irão no futuro "indicar" o líder da região. Esta foi a primeira grande quebra na linha espiritual dos budistas tibetanos, e para muitos foi uma das razões para a desistência do atual Dalai Lama em manter uma atitude crítica da China.

A segunda razão foi a opinião dos exilados tibetanos que vivem na Índia. Cerca de 300 mil exilados fundaram e mantêm uma cidade indiana, Dharamsala, onde estão monastérios, escolas e o governo tibetano no exílio. Os exilados providos de liberdade, e incialmente apoiados economicamente pela Índia, se educaram e muitos fizeram universidades na Índia. A primeira geração de exilados já entrou para o mercado de trabalho, mas também mantém muitas organizações para preservar a cultura, protestar contra os abusos da China e ajudar outros exilados a encontrar parentes e amigos que ainda estejam no Tibet ou que por ventura tenham sido assassinados pelos chineses. Estes mataram milhões de tibetanos com o passar dos anos. A opinião dos exilados é que ou uma revolução por força era implementada no Tibet, ou eles teriam que negociar uma saída econômica com os chineses, porque na situação atual, os tibetanos estavam rapidadmente se tornando minorias em seu próprio país.

Se por um lado no ocidente, criticamos e ridicularizamos a oportunistica aliança entre músicos e artistas famosos, e o Dalai Lama, por outro lado não acho justo fechar os olhos para o que aconteceu na região. Na minha opinião pessoal, não é uma situação reversível. Mas demonstra muitas coisas sobre a nossa sociedade, que as vezes finigmos não ver: (1) intolerância a atitudes diferentes sobre a vida, (2) a capacidade de um povo de auto-regenerar sua cultura, como os tibetanos fazem agora na Índia, (3) a importância da liberdade filosfófica, espiritual e religiosa, que para mim é muito maior do que o enriquecimento da população através da destruição total de seus hábitos e costumes, e (4) a impossibilidade da maioria dos intelecutais ocidentais de aceitar qualquer idéia diferente daquela que nós é enfiada na escola: o pensamento iluminista e socialista.

Não existem heróis na história recente do Tibet. Existem muitas pessoas que se sacrificaram tanto do lado chinês, quanto do lado tibetano. Mas existe com clareza uma instituição e uma forma de pensamento culpadas pelas extensas atrocidades cometidas na região: o Partido Comunista e sua filosofia da espirtualidade morta. Não há justificativa para prostituir, saquear e destruir os habitantes e tradições de uma região. Pior é fazer isso pelo verdadeiro motivo que o governo chinês quer controlar o Tibet: acesso a uma das regiões mais estratégicas da Ásia. Colocar sistemas de misséis ali, significa ter uma frente para ataque e defesa contra três países simultâneamente. Gengis Khan já dizia que quem controlasse o Tibet seria o Imperador da Ásia. Não o controlou, porque ficou impressionado e emocionado com uma apresentação da filosofia e poesias locais por monges budistas. Ao que parece, a mesma tática não funcionou com o partido comunista, apesar de render um Nobel da Paz ao Dalai Lama.

A maioria dos monges e Lamas, e tibetanos em geral, que encontrei são pessoas muito simples, e com pensamento simples. A sofisticação do pensamento está em outra esfera, na exploração das possibilidades da meditação. No seu trato do dia a dia, e comigo, ao menos, me pareceram até pessoas um pouco ingênuas, sem as várias artimanhas que adquirimos ao se lidar numa sociedade efetivamente construída para o sucesso na empreitada material. Talvez, esta ingenuidade, e desconhecimento prático de um modo de vida ocidental tenham contribuído fundamentalmente para o fim do Tibet e sua cultura na região autônoma do Tibet. Mas talvez a mesma igenuidade e vigor espiritual estejam renascendo esta sociedade, longe de casa, em Dharmsala, na Índia.

PS: A "capitulação" do Dalai Lama só representa a aceitação deste líder da vontade da maioria dos exilados no Tibet para uma resolução rápida da situação. Representa também uma compreensão maior por parte deles da mente do chinês e do ocidental. O Dalai Lama sempre afirmou que nenhuma nação agirá em detrimento de sua própria população, ou quando não encontra benefícios em causa própria... Talvez, após observar pacientemente a situação por todos estes anos, e o que aconteceu no Iraque e nas redondezas, ele tenha chegado a conclusão que a filosofia e idéias oferecidas pelo Tibet não estejam em voga nos círculos políticos ao redor do mundo. Nenhum movimento vive do apelo popular, todos vivem da adesão do poder.

nóia do Ram em domingo, março 20, 2005/

 
FIDEL CAMPEÃO

O segundo grande herói dos comunistas, que agora gostam de se chamar de "social democratas" ou "socialistas" - afinal se a revolução não deu certo, algo mais brando poderia - está entre os 100 homens mais ricos do mundo. Tem uma fortuna estimada em 3 bilhões de dólares. É ou não é um feito para se comemorar? Nada mal para quem ajudou milhões de "camponeses" hasta la victoria...

Enquanto os bilhões de Fidel o aguardam no banco, o Brasil está desesperado para usar bilhões do BNDES para ajudar Cuba a se armar militarmente. Segundo a tradição hipócrita, a administração brasileira reforça os laços com os dois países democráticos e podersos: Cuba e Venezuela. Falando nisso, o General Chavez, aquele adorado por muitos intelectuais porque peita os norte-americanos, acabou de sancionar uma lei que vai deixar os companheiros Lula e FHC com inveja: não se pode falar mal do presidente no noticiário.

Para certas pessoas, este foi o "Litmus Test" de que o Hugo Chavez é um ditador barato. O que me espanta é que só agora muitas pessoas "esclarecidas" estão começando a achar que se trata de uma ditadura...

nóia do Ram em domingo, março 20, 2005/

terça-feira, março 15, 2005

 
MATANDO ALMOÇO

Enquanto mato o almoço, descobri o Googlewhack: descubra dois termos que quando colocados na busca do Google, deêm um resultado único. É parecido com caça de novos astros em galáxias distantes: não têm muito propósito imediato, mas pode lhe tornar uma celebridade.

Para mostrar a vocês, que o cataplum é altamente entrópico, descobri os seguintes googlewhacks em menos de cinco minutos:

Cataplum: cataplum ditadores
Estertores da Razão: cataplum chernoff
Na Cara do Gol: cataplum surrupiada
An Ergodic Walk: cataplum wordpress
Comunistinhas: cataplum beirut
E uma surpresa para quem vai falar com o Lula: cataplum casuais


nóia do Ram em terça-feira, março 15, 2005/

 
ADIVINHAÇÃO TAN-TAN-TANTANTAN

Adivinha qual a moda brasileira que começa a fazer sucesso em Nova Iorque? Vejam aqui. Para quem não quiser ver, acertou quem disse o novo estilo de música "Baile funk". Assim mesmo que eles chamam o estilo, "Baile Funk", e já tem até a primeira coletânea. Cataplum!

nóia do Ram em terça-feira, março 15, 2005/

 
CHERRY PICKS

Programas grátis da internet que ando usando muito:

*Para quem gosta de escrever artigos que envolvem muitas equações, ou querem publicar um texto final de alta qualidade, sem a necessidade de um design gráfico posterior: Miktex e Winedt (pacotes grátis!). Para acentuação em português, incluam macros. Um exemplo de livro que foi escrito baseado nestes dois pacotes e alguns style sheets.

*Para surfar a internet rápido, sem os furos do Internet Explorer da Microsoft, e com várias coisinhas que já viraram hábito (como tabs no browser, link image preview, ...): Mozilla Firefox. Eu baixei tambem os add-ons que oferecem um ícone prevendo o conteúdo do link, e um que extende as opções para tab browsing.

*Para proteger o computador dos chatíssimos e perigosos ataques de spyware, coloquem no mínimo dois de três: Adaware, Spyware Blaster e Spybot.

*Um ótimo editor de fotos, nível photoshop, de grátis: GIMP.

E para terminar, se você tiver espaço sobrando no HD (800 MB além do que você pretende usar no futuro), instale o Google Desktop. Se você costuma espalhar os arquivos em muitos diretórios e não encontra-los depois, é uma ótima solução. Necessita de Windows 2000 ou XP.

nóia do Ram em terça-feira, março 15, 2005/

segunda-feira, março 14, 2005

 
IMPOSTO(R)

Verifiquem aqui o quanto do salário mensal vocês gastam com imposto. Calculei para a minha família que o gasto somente com impostos é 66%. Isso mesmo. Meu pai trabalha 228 dias do ano, ou 19 dias por mês, para sustentar o governo. Somente para critério de comparação fiz uma conta aproximada de quanto pagava de imposto trabalhando como engenheiro em Austin no Texas, levando em consideração os mesmos custos mencionados. Deu 32%, ou seja metade do imposto que se paga no Brasil. Se estivesse trabalhando na California, que tem o maior imposto estadual daqui, ficaria em 42% ou um pouco menos.

Não é compreensível como o governo pode estar sem dinheiro. Pior, como pagando tanto imposto, meu pai ainda tenha tido que pagar a escola minha e de minha irmã, comprar plano de saúde particular (pois ele é professor da Federal), e morar numa cidade em que o direito de propriedade privada está perdendo o seu significado para dois outros direitos: o do mais violento (o tráfico), e o do mais calhorda (oficiais corruptos em todas instâncias burocráticas). Mas uma coisa eu entendo muito bem: o Brasil é o melhor exemplo do que a inépcia de políticos aliada ao sentimento de culpa da classe média pode gerar.

Em qualquer país do mundo, uma situação parecida já teria escaldado para alguma resolução violenta. Afinal, se na Europa os impostos totais beiram cerca de 50%, o governo provê em contrapartida uma ótima aposentadoria, todos os serviços públicos com qualidade razoável, e educação excepcional gratuita da primeira série ao último ano do doutorado. Mesmo assim, muitos países estão sempre estudando formas de tornar a pressão dos impostos menor, especialmente para estimular pequenos empresários e profissionais liberais.

Uma das maiores ladainhas que se ouve no Brasil é que a "falta de educação gerou o que aí está". Que na verdade, não fossemos incompetentes em educar as pessoas, a sociedade seria uma maravilha, com tudo funcionando, e uma grande irmandade onde todos os brasileiros se respeitariam aceitando uns aos outros, e viveriam como na Europa - para os intelectuais - ou consumindo ad nauseum- para a maior parte da população. Este conceito é tão arraigado na nossa mente que é impossivel imaginar um país crescendo e evoluindo sem que todas as favelas fossem erradicadas imediatamente, e os pobres compartilhassem o Romanée Conti do Lula.

Mas a realidade sempre foi muito longe disso. Países que sairam da indigência absoluta nos últimos 50 anos para se tornarem potências em sua maioria praticaram um conjunto de políticas que beneficiaram a expansão dos negócios (ou seja, classe média), a consolidação das oportunidades de educação para aqueles mais qualificados, e uma agressiva política de integração ao comércio internacional. O indigente não foi o alvo das políticas públicas da Coréia do Sul, da Índia ou mesmo da China moderna. Na verdade, estes países entenderam que somente a expansão de uma base mínima da economia poderia atender os desejos de seus cidadãos. Afinal, o indiano, o brasileiro, o chinês médio quer uma vida confortável, com segurança social, e a possibilidade de aproveitar um pouco. Talvez o fato de serem países com culturas muito antigas, com filosofias diferentes, e de terem estado na indigência total tenham sido as portas para seu crescimento. Mas eu acredito que houve algo mais: o investimento na criatividade e ambição dos moradores do país.

O Brasil é o país com potencial para ser um das maiores potencias agrícolas e industriais do mundo. O que falta para chegar lá? Não falta nada. O que anda faltando mesmo é uma mudança na mentalidade do burocrata que aporciona os investimentos públicos, que são praticamente a única fonte de capital de giro do nosso país. A questão não é se criar reservas de vagas na universidade, ou se "a educação ainda é o maior elevador social do Brasil". A questão é sim, o que fazer com o potencial latente de tantos jovens inteligentes e capazes, que são obrigados a praticar o budismo social: aceitar a sua infelicidade profissional e ausência de oportunidades, porque existem "tantos pobres piores que eu". Mesmo uma pessoa pobre que vá a faculdade e consiga um emprego melhor, se não estiver feliz profissionalmente, vai se sentir fracassado. A sociedade emperra. Não é só uma questão material.

Numa sociedade móvel e desenvolvida todos tem a oportunidade de crescerem em suas profissões, de experimentarem coisas diferentes, e de poderem trabalhar com o que estudam tendo alguma satisfação mínima. A satisfação é que motiva o indivíduo a compartilhar com os outros os caminhos para mudança. Se o grau de satisfação profissional médio da sociedade fosse ligeiramente maior, tenho certeza que mesmo numa favela haveria o florescimento de lojas, mercados ou pessoas com idéias de se criar moda, discos, etc para aquele segmento da população. Criatividade aparece com oportunidade. E a oportunidade só existe quando você pode encontrar exemplos de pessoas que parecem satisfeitas e felizes, após lutar para crescer.
Eu sempre repito uma pergunta as pessoas que eu conheço: você está feliz com o que você faz no seu emprego? Nos Estados Unidos e na Índia, eu ouço muitos sims, e quando não ouço sim, muitas vezes ouço que estão se aplicando para encontrar novos caminhos. Já no Brasil é raro ouvir sim. E em geral, a resposta vem acompanhada da emenda, "mas paga um salário" ou "no Brasil é assim mesmo", ou ainda "este tipo de trabalho é assim mesmo, trabalho é chato". É difícil encontrar pessoas que respondam não, e digam que estão procurando outros caminhos. Uma espécie de derrotismo está instaurada na mente dos brasileiros, especialmente os mais jovens. Ainda bem que é difícil mas não impossivel ouvir sim. Senão seria o fracasso e o fim da nossa sociedade.

O jovem tem que viver com criatividade e espaço para desenvolver sua ambição e imaginação. Este é um conceito econômico e político, não só uma retórica psicológica. Todo país que permite isso, acaba crescendo. Os que não permitem, acabam sumindo. Quando se pensa em política de investimento pública, devemos pensar como desenvolver ao máximo o país se utilizando deste conceito, e não em como encontrar tapa buracos para salva-guardar a nossa vergonha da pobreza e indigência que infelizmente temos no país.

Talvez ainda iremos levar 60 a 70 anos de investimento para mudar o Brasil, mas se a mentalidade e a retórica não mudarem, teremos que acrescentar ainda mais anos a esta conta.
Enquanto preferirmos nos imaginar como falsos Budhas, que brilham aos olhos da comunidade internacional porque nos sacrificamos pela indigência, o país será cada vez mais indigente.
Não é errado, nem vergonhoso, ter sonhos (inclusive e talvez especialmente sonhos materiais), mesmo estando cercado de miséria, sofrimento e pobreza. Por sentimento de culpa, não devemos nos tornar aqueles que acrescentam mais uma gota neste balde.

O Brasil pode sair rapidamente desta situação difícil que se encontra há mais de 50 anos. Basta utilizar idéias, ações, e criar empreendimentos que envolvam jovens de diferentes classes sociais dando oportunidades para ascenção e consumo. Eu nunca esqueço que já trabalhei num banco (Pactual) de um indivíduo que veio de familia de classe baixa, e sem educação. Seu exemplo, serviu para muitos outros tentarem a vida lá começando como ele na posição de office-boy, e lutarem por um ideal melhor. Uma vez voltando de ônibus para casa, um office boy do Pactual disse que já tinham convidado ele para a contravenção, mas que gostava demais do emprego e do futuro que imaginava para ele, para larga-lo. Na época achei diferente ouvir isso, mas agora acho que entendi o significado.


PS: Uma das coisas que mais me espanta no Brasil, é a avidez do brasileiro para consumir. Seja ele um morador da favela ou um cidadão da classe média, o interesse por rádios, tevês, tratamentos novos, celulares, e outras "coisas" é inesgotável. Ou seja, o país tem tudo para ser uma potência baseada em seus próprios consumidores.

PS2: Gostamos de olhar no futebol, para encontrarmos os exemplos de pessoas humildes bem sucedidas. Mas esquecemos sempre de avaliar, aceitar e comemorar a amibição de muitos destes garotos de sucesso como Ronaldinho ou Ronaldinho Gaúcho, que se por um lado entendem a sorte de serem profissionais de sucesso, por outro não tem a menor vergonha de crescer, ganhar e satisfazer seus sonhos e desejos materiais. Se dependesse de muitos outros jovens brasileiros, e seus pontos de vista, estes atletas jamais deveriam se dedicar a brilhar.. Deveriam se envergonhar de sua ambição, afinal faltam oportunidades no país, enquanto estes nadam em dinheiro...

nóia do Ram em segunda-feira, março 14, 2005/

sábado, março 12, 2005

 
TRÂNSITO PC

Descobri que uma parte do projeto para qual trabalho, chamado PeMS (veja aqui), é motivo de infindáveis brigas políticas. Este sistema foi colocado no ar uns cinco anos atrás para colher dados de volume de tráfico de sensores espalhados pelas rodovias (highway) da Califórnia. A idéia era criar um sistema que permitisse aos gerentes de transporte do estado determinar com acurácia os pontos reais de asfixia do tráfego, os benefícios ou malefícios de idéias como cobrar para entrar na rodovia, baseando-se em dados em tempo real (20,000 sensores a cada 5 minutos transmitindo informações). Até então, o sistema utilizado era basicamente dirigir um carro especialmente instrumentado pelas rotas de tráfego e colher medições. As medições são convertidas num guia "pré-fabricado" do que deve ser feito em cada situação.

O sistema PeMS é um sucesso, apesar de mostrar as falhas da burocracia local, como a dificuldade com que as agências de trânsito trocam informações. Depois que a primeira fase do projeto passou, os professores e alunos de Berkeley decidiram usar os dados para testar várias hipóteses e idéias que eram assumidas como sendo verdades naturais.

A primeira foi a validade de se criar sinais em todas entradas para a rodovia, forçando veículos a esperar de 5 a 10 minutos quando a rodovia estivesse sofrendo congestão. O projeto mostrou que esta pequena espera reduzia incrivelmente a congestão, por exemplo, uma viagem que demoraria 50 minutos em tráfego intenso acabava sendo feita em 25 (com a espera 30 a 35 min.). Quanda a política foi implementada, reduziram-se também o número de acidentes. O fenômeno ficou conhecido como o problema do "free flow", pois é melhor esperar e proceeder na velocidade máxima do que todos invadirem ao mesmo tempo agora (Brasil?).

Uma segunda análise mostrou que a idéia de ter veículos de ajuda para dar assitência imediata a pessoas de carros parados (quebrados) no acostamento ou na rodovia, não é muito útil do ponto de vista da congestão e fluxo de tráfico. A maior utilidade do conceito é mesmo política, pois foi apontada pelos californianos como sendo o serviço que mais gostavam nas highways do estado. Este foi o prenúncio dos primeiros choques burocráticos que o sistema iniciou.

A análise mais recente promete enfurecer muitos políticos e ativistas de trânsito: estudos preliminares mostram que a faixa especial reservada para carros com três ou mais pessoas nos horários de pico não reduzem congestão, e pelo contrário, a aumentam consideravelmente. Este é uma das grandes idéias de trânsito que a Califórnia exportou para os outros estados americanos e até para o Canadá. Muitos dos diretores da Caltrans, organismo que cuida do tráfego californiano, já questionaram a validade dos dados, da idéia e do próprio sistema PeMS. E uma batalha burocrática e política dentro deste orgão se iniciou entre os que "apoiam o sistema" e aqueles "que são contra". Felizmente, parece que o sistema está em vias de ser oficializado pelo estado.

É interessante ver de perto como as pessoas se comportam quando idéias canônicas são questionadas por dados. Por mais que gráficos, cálculos, análises sejam feitas, sempre se encontram críticas, e se força a realização de tarefas mais complexas numa tentativa de invalidar o que surpreende. A questão do tráfego é muito relevante, porque é uma área de políticas públicas que se beneficia incrivelmente da possibilidade de se criar sistemas como o PeMS. Um só exemplo, é poder determinar com precisão aonde a rodovia deve ser ampliada para se conseguir benefícios reais. Obviamente, isto entra em choque a política da administração pública, que em geral prefere ampliar uma rodovia num local de visibilidade, do que seguir alguma recomendação sistematica. Mesmo assim, o sistema é melhor que nenhum sistema. Como disse um engenheiro da Caltrans, antes eram cegos num tiroteio, agora só ficou o tiroteio.

PS: Uma outra observação é que cada vez mais se aumenta o nível de qualificação técnica e educação exigida para os cargos do governo que exigem tomada de decisão. Colocar padrinhos políticos em um orgão como o Caltrans é mais difícil, já que mesmo nas reuniões menos relacionadas a engenharia, as apresentações e slides estão recheadas de análises estátisticas e gráficos dinâmicos sofisticados. Coisa para quem já tem uma cabeça analítica um pouco mais treinada.

nóia do Ram em sábado, março 12, 2005/

terça-feira, março 08, 2005

 
E-MAIL AUTÔMATO

Ou responda ao e-mail, ou não entre em contato. Mas aquelas respostas automáticas de e-mail, tipo "muito ocupado agora viajando para Ilhas Fiji com a Gisele Bundchen" são uma falta de educação. É exibir demais a privacidade para os outros. Quase como dizer na mesa de jantar a razão porque se quer licença da mesa (para ir ao banheiro).

De certa forma a tecnologia que nos deixa mais informados, nos deixa também mais obsessivos (porque o e-mail AINDA não foi respondindo depois de 20 minutos?), e menos gentis. Bem diz a música, "Everthing is now". O mantra da nossa geração.

nóia do Ram em terça-feira, março 08, 2005/

 
DIA INTERNACIONAL DELAS

Hoje é o dia internacional das mulheres, segundo algum orgão mundial que decide estas coisas. Mas existe uma base mais histórica para esta data, criada na internacional socialista de 1910, conforme pode ser lido aqui.

No vedanta indiano a energia feminina é representada por Shakti. A contrapartida masculina é Shiva. Na região de onde minha família é na Índia, o Tamil Nadu, onde o Saivaismo é preservado há milênios, as estórias de Shiva e Parvati (ou Shakti) são comemoradas com grandes festas. Todos deuses indianos são sempre formados pela comunhão de um aspecto masculino, e de um aspecto feminino. Inclusive em vários templos, Deus é representado por uma única deidade que funde ambos os aspectos, um de cada lado.

Alguns templos em especial capturam esta noção. O meu favorito é o templo de Thiruvanaikkaval em Srirangam. Este é um dos templos mais importantes do sul da Índia, e lá se manifesta um Shiva Lingam (pedra que representa Shiva) naturalmente submerso. A outra deidade importante do templo é Sri Akhilandeswari, que significa "senhora mãe do universo", a manifestação de Parvathi.

Parvathi era uma princesa, que para conquistar o amor de Shiva, se tornou uma heremita e fez austeridades em muitos templos indianos. Um deles foi o de Thiruvanaikkaval. Suas austeridades conquistaram Shiva, e transformaram o terrível ascético num esposo amoroso. Ela é uma das responsáveis para que Shiva revelasse os Puranas e Tantras* que explicam meditação, casamento, amor, sexo, educação e alguns mistérios do universo em lindas músicas. Sua compaixão pela humanidade, e devoção ao amor, são celebrados na forma de Sri Akhilandeswari. Nesta época de sua jornada, Parvathi só tinha olhos para Shiva e não aceitava ver nenhum outro homem. Como uma homenagem e forma de respeito e de atender seu desejo, até hoje, as cerimônias para Akhilandeswari são feitas diariamente por um pujari ("pastor") vestindo saree, como uma mulher numa das tradições religiosas mais bonitas que eu conheço. Uma vez, um pujari me disse que ter o privilégio de ser mulher por algumas horas, enquanto cantava os mantras, o faziam lembrar da unidade entre o masculino e feminino. Que todo homem ou mulher tem um e outro dentro de si mesmos.


PS: Os tantras não se reduzem a sexo, e na verdade o "Tantra do Sexo" não existe. O que é chamado de "tantra do sexo" hoje, ou tantra esquerdo, é uma coleção de idéias apresentadas posteriormente por alguns filósofos que acreditam que a relação sexual respeitosa e indiscriminada pode levar a iluminação espiritual. O Tantra original é uma filosofia muito profunda, e explica diversas idéias sobre o organismo, meditação, e como viver de forma saudável e harmônica dentro de um casamento. E mais, como seguir para a iluminação espiritual usando a relação como base. Shiva, em uma pequena parte de seus shastras, aconselha sobre o papel do sexo num relacionamento entre homens e mulheres, mas nunca advoga que o sexo em si provê o caminho para as experiências místicas mais profundas. Estas vêm, segundo ele, de devoção desprovida de propósito, da compreensão dos desejos e da mente, e de se respeitar o próximo em todas as maneiras.

nóia do Ram em terça-feira, março 08, 2005/

segunda-feira, março 07, 2005

 
REFÉNS NO IRAQUE

Pagar resgate, e fazer de tudo para libertar um refém do seu país, é ato para se aplaudir. Mas depois ouvir da repórter resgata que trabalha para jornal comunista italiano, que "os soldados americanos podem ter propositalmente atirado no veículo onde estávamos por discordar de resgates" e que "os sequestrados já tinham me dito que os americanos me queriam morta" é de lamentar.

Qualquer coisa que aconteceu merece ser apurada. Mas há uma vasta diferença entre apurar, propondo hipóteses plausíveis e justas, e abusar verbalmente por causa da simpatia que o mundo inteiro tem por quem é sequestrado e libertado. É bem parecido com abuso da simpatia pós 11 de setembro, feita pelo governo americano. Nenhum um, nem outro.

nóia do Ram em segunda-feira, março 07, 2005/

sábado, março 05, 2005

 
POEMAS NO EXÍLIO

Por Tenzin Tsundue, nascido no exílio na Índia imposto aos tibetanos que desejavam alguma expressão de sua liberdade espiritual, retornou clandestinamente pela fronteira. Acabou preso, e deportado, mas partcipa ativamente num dos grandes movimentos não só pela transformação do Tibet novamente num país, mas também, na organização de um movimento cultural e de reintegração dos muitos tibetanos agora se formando em universidades na Índia, depois da aceitação dos exilados. Filho de camponeses, Tenzin foi o primeiro formando em uma universidade indiana de sua família.

Dharamsala, na Índia, nos Himalaias, é a sede do governo tibetano no exílio, e mais de 150 mil tibetanos se encontram na Índia, onde estudam em escolas e universidades, ou trabalham. Boa parte da cultura e conhecimento Budista, arquivados em tratados seculares mencionados no folclore mongol, e na literatura espiritual indiana, já se perderam devido a ignorância comunista ao se deparar com qualquer idéia que possa ameaçar a hegemonia do Maoísmo. Uma das mais tristes heranças do mundo moderno é esta idéia de que a vida espiritual é necessariamente desacoplada da vida material, e que uma idéia hegemônica de crescimento econômico necessariamente está em conflito com espiritualidade. Mas há muito tempo isso já foi desmistificado não só pelo Budhismo, mas pelo Zen chinês, agora inexistente devido aos vários extermínios em massa. Alguns poemas que achei bonitos.

BETRAYAL
My father died
defending our home,
our village, our country.
I too wanted to fight.
But we are Buddhist.
People say we should be
peaceful and non-violent.
So I forgave my enemy.
But sometimes I feel
I betrayed my father.

MY TIBETANNESS

Thirty nine years in exile.
Yet no nation support us.
Not a single bloody nation!

We are refuges here.
People of a lost country.
Citizen to no nation.

Tibetans: the world's sympathy stock.
Serene monks and bubbly traditionalists;
one lakh and several thousand odd,
nicely mixed, steeped
in various assimilating cultural hegemonies.

At every check-post and office,
I am an "Indian-Tibetan".
My Registration Certificate,
I renew every year, with a salaam.
A foreigner born in India.

I am more of an India
except for my chinky Tibetan face.
"Nepali? " "Thai?" "Japanese?"
"Chinese? " "Naga?" "Manipuri?"
But never the question - "Tibetan?"

I am Tibetan.
But I am not from Tibet.
Never been there.
Yet I dream
of dying there.

nóia do Ram em sábado, março 05, 2005/

 
1+1 = 3?

Eu vi na rua dia desses, não um, mas vários carros com adesivos: "Tche", e "Free Tibet". Uma inconsistência, não?

nóia do Ram em sábado, março 05, 2005/

 
256 MB DE PALESTRAS

Depois de fazer minha própria palestra, eu e uns amigos fomos a uma palestra da Samsung, onde ganhamos um Flash Drive de 256MB. O negócio é que como se chegou atrasado, os formulários que tinham que ser preenchidos para ganhar a tal memória esgotaram. Mas no que considerávamos jeitinho brasileiro, xerocamos os formulários, e ganhamos assim mesmo. Depois, descobrimos que o jeitinho também era israelense, alemão e até, pasmem, americano.

Logo depois desta palestra, foi a vez de assistir a Walter Salles palestrando sobre seus filmes para um auditório lotado na Business School, uma espécie de ironia. Como boa parte do público era muito identificado com as ideologias políticas sugeridas pelo cineasta, e por alguns dos professores presentes na palestra, acabou sendo mais uma convenção política do que uma discussão sobre estética e técnicas de filmagem.

Ainda assim, ele disse coisas interessantes sobre como filmar cenas improvisadas e com não atores e sobre algumas de suas referências cinematográficas e como fazer documentários o ajudou a construir a textura e a temática de seus filmes. Poderia ter sido melhor, não fossem muitas perguntas sem muito propósito, como por exemplo, a sugestão de que "Diários de Motocicleta" abrem as portas para os jovens de hoje conhecerem o "Che Light", sem encarar de frente o "revolucionário". Ou ainda, a pergunta feita por e-mail por uma americana, que dizia assim: "Depois de pensar bem em qual era uma única pergunta que queria fazer para o Walter Salles, decidi com certeza que era esta: qual o número de telefone do Gael Garcia Benal?". Nisso, depois de responder a pergunta com sua opinião sobre o ator, emendou: "Finalmente uma pergunta que vai direto ao ponto!"... Seria uma indireta para o que havia sido o resto da tarde?

Não saberemos... Mas eu sei sim que muita gente aqui em Berkeley, supostamente o lugar onde se respeita liberdade e o direito de expressão, espiritualidade e de ir e vir, gosta muito do Ernesto Guevara. De verdade. Ao ponto de se levantarem em público, e perguntarem como fazer o doutrinamento dos jovens para a "nossa causa". Isso de uma professora de sociologia de Berkeley. Nada contra, mas queria saber se há possibilidade num governo comunista de protestar contra os dogmas dos líderes do país, ou se um Walter Salles poderia fazer um filme sobre a vida de Jesus Cristo ou uma biografia sobre a ascenção de Bill Gates e a subsequente transformação no maior humanitário do século, distribuindo mais dinheiro para o terceiro mundo, especialmente África, do que todas nações comunistas somadas.

nóia do Ram em sábado, março 05, 2005/

quinta-feira, março 03, 2005

 
UMA NOTA

Para quem achou o texto abaixo uma visão caolha da realidade, eu mesmo me surpreendi com o que conheci por aqui. Uma vez, passando pela fila de deportação do INS, nas muitas vezes que fui neste orgão para conseguir meu visto permanente, eu encontrei alguns brasileiros e perguntei se iriam agora ficar de vez no Brasil. A resposta era que "iam tentar a vida no México". Para quem não sabe isso é codigo para atravessar a fronteira a pé...

É difícil acreditar? Mas imaginem como seria a vida aí de alguém que não tem grau universitário ou que fez uma faculdade particular de administração no Brasil? Se a pessoa tem origem humilde, é sem dúvida uma pedreira. Pedreira bem maior do que viver com o dinheiro de entregador de pizza aqui. Nos bons tempos, a maioria tirava só com gorjeta uns US$2000. Mais o salário, estavam recebendo em torno de US$3500 a 4000 por mês. Mas não é só em pizzaria, já encontrei brasileiro não legalizado, até em consultório de dentista, trabalhando como assistente... Não é moleza...

Acho que as pessoas que tem a maior dificuldade de aceitar a vida aqui, são aquelas que tiveram um bom padrão de vida no Brasil. Mesmo assim, para muitos, que acabam se tornando professores ou donos de empresas aqui, é difícil escolher entre a vida cheia de opções daqui, e voltar ao Brasil sem saber onde começar. Nos EUA, além da cultura do imigrante, o próprio americano é muito interessado em outras culturas. Esta é minha experiência. Já conheci muitos americanos que estudam Tamil (!) ou português. Que viajam para estes países, que vão a shows, partcipam de associações de projetos para estes paises, etc... Talvez seja empréstimo de cultura. Por outro lado, é mais raro encontrar um brasileiro que sequer queira experimentar um prato de comida indiano. Quanto mais se dedicar completamente a uma cultura diferente.

Chega de textos chatos por este mês! Março é revolução no Cataplum!

nóia do Ram em quinta-feira, março 03, 2005/

 
O GLOBO E O MITO

O Globo Online de hoje, tem chamada na capa: "Tio Sam que se cuide". E continua com "Gloria Perez derruba o mito do sonho americano". Tudo por causa de sua nova novela, intitulada América. A foto da capa do jornal, mostra a Deborah Secco, aguardando no deserto do México, uma oportunidade para atravessar a fronteira. E aparentemente vai mostrar as sua vida sofrida em Miami, com desigualdades e frustrações... Como novela tudo bem. Talvez até condiza com alguns fatos.

Mas a verdade é que o "Mito do Sonho Americano" ainda continua muito melhor do que "A vida Sem Sonhos no Brasil" , para muitos brasileiros. Tão melhor, que a boa parte dos brasileiros que eu conheci aqui faz qualquer coisa para voltar para cá, desde pagar para se casar com alguém a atravessar a fronteira a pé. Sim já conheci pessoas que fizeram isso. Já até conheci uma pessoa que foi presa, mas não foi deportada. Mais interessante que isso, quase todos reclamam da vida por aqui. Ao menos um pouco. Mas jamais a trocariam.

Como uma senhora brasileira observou uma vez, mesmo aqueles que tem empregos ilegais em pizzaria ou construção tem uma situação financeira de vida muito melhor do que teriam no Brasil. Com acesso a muitos produtos, entretenimento, e oportunidades, como estudar no Community College ou mandar os filhos para educação gratuita e de qualidade até o fim do 2o grau. Além disso, a maioria dos filhos segue para boas faculdades, abrindo portas inexistentes no Brasil hoje. Outro senhor uma vez me disse que no Brasil nunca poderia ter começado como entregador, e chegado a ter seu próprio restaurante.

Algumas semanas atrás fui num encontro com brasileiros em San Francisco, e de repente começou uma discussão sobre o sistema de saúde norte-americano. Mencionei como estava decepcionado com os médicos e a qualidade dos médicos daqui. Nisso, uma das pessoas presentes mencionou que ela foi tratada e curada de Cancer aqui, isso tudo sem ter plano de saúde. No Brasil, sua mãe que sofria de câncer semelhante morreu por falta de tratamento adequado na rede pública. Eu disse que minha mãe já foi ótimamente tratada na rede pública lá, e nisso a presente retrucou com uma boa observação: não se trata de casos específicos, mas é se na média do país, em todas cidades, qual a qualidade do tratamento?

No aeroporto de São Francisco, ano passado ajude uma senhora hondurenha com suas malas. Depois ficamos conversando. Descobri que ela havia fugido de Honduras durante um dos levantes militares de lá. Chegou sem nada a California, correndo a pé pela fronteira. Quando perguntei a ela se estava voltando de vez para Honduras, talvez pelo estilo de vida aqui nos EUA, ela me disse que não. Que aqui, seus netos vão para faculdade - um dos orgulhos é o neto que conseguiu bolsa para Stanford -, que seus filhos são donos de uma empresa que faz limpeza, e ela tem uma vida confortável. Disse mais, que a maioria dos imigrantes que ela conheçe, mesmo aqueles que não tem muito sucesso não desejam retornar. Afinal, aonde poderiam mandar seus filhos para serem educados até o grau universitário ou ter um carro e viajar?

Por aqui existem estórias tristes também. Já conheci pessoas que foram deportadas, um operário que quebrou a perna numa construção e só pode ficar até curarem sua perna e depois foi deportado, e outras assim. Mas eu acho que na maioria das vezes, os brasileiros parecem muitos felizes. Muitos são de classe média baixa, e vários mesmo sendo ilegais, sentem que tem uma vida mais completa aqui no aspecto material, e agora familiar, já que uma vez conseguida a cidadania, todos os pais e demais familiares podem vir através de processos de naturalização.

Acho que este é um país construido por e para imigrantes. Não conheço nenhum outro lugar, onde mesmo você sendo não documentado ou ilegal, possa usufruir de benefícios como escolas para adultos, escola pública, universidade comunitária, etc. E mais, conheço pouquissimos, onde você pode tirar carteira de motorista, e social security como se podia há uns anos atrás na maioria dos EUA. Pagando os impostos em dia, a cada 5 ou 6 anos, um processo de anistia acontece, e muitos imigrantes ilegais se tornam legais.

Outros que acreditam no "Mito do Sonho Americano", são as centenas de alunos e profissionais brasileiros, que vem ou tentar a vida por aqui, ou fazer um curso ou mesmo um diploma. Para a maioria, é um mundo completamente diferente. Um sonho de certa forma incompleto, porque já tinhamos no Brasil uma qualidade de vida boa. O sonho é estar em um lugar onde existem muitas oportunidades, onde você pode fazer o que aprende na universidade, onde professores excelentes deixam as portas abertas para trocar idéias num ambiente muito mais saudável e democrático do que o que encontrei na UFRJ. Além disso, raramente se encontram oportunidades de emprego, e posições comparáveis no Brasil, ao que se oferecem aos brasileiros aqui. Além dos sálarios melhores, se tem condições muito melhores de trabalho, oportunidades de liderança, acesso a recursos e especializações pagas pela empresa, e muitos outros benefícios. São poucos mesmos os brasileiros que querem deixar tudo para trás em busca de uma vida no Brasil.

Existem muitas dificuldades, sem dúvida. Você se sente incompleto por estar longe da família e dos amigos. Pelo hábito de viver em cidades litorâneas brasileiras, e passado sua vida jovem por lá. Pessoas que vem aqui para o "high school", raramente querem voltar ao Brasil.
Existem casos, mas a maioria segue feliz com a vida aqui. Talvez adaptado a este país, por viver uma das épocas de ouro da vida, a faculdade, aqui. Outros problemas são as diferenças culturais, por exemplo no Brasil gostamos de pensar pessoalmente, os americanos separam tudo (você não é sua idéia, criticar seu trabalho não é insultar você, etc). Tem também o sistema de imigração que é mesmo uma pedreira, com muitos problemas burocráticos, e funcionários mal educados. Parecido mesmo com o que encontro em burocracias mundo afora.

A vida não é um mar de rosas. Mas o "Mito do Sonho Americano" continua bem vivo. Inclusive uma conhecida ia atravessar a fronteira a pé mês passado, mas acabou conseguindo o visto. Ela já viveu aqui por mais de 10 anos, tem faculdade incompleta, mora em Manhattan, e me disse uma vez que ela e seus amigos vivem uma vida que, infelizmente, não teriam no Brasil... Podem ir a salões caros, compram roupas na Banana Republic, vão a shows de brasileiros famosos e se misturam com eles, e são amigos dos socialites e globais brasileiros que passam por Nova Iorque. No Brasil, nas palavras dela, não seriam ninguém. Acho que para a maioria dos brasileiros ter uma vida com oportunidades, e um pouco de glamour é importante. E aqueles que tem estômago para encarar o medo de se separar da família, do universo conhecido, para entrar na pedreira aqui, parece ser recompensador.

Um dado esclarecedor, mais da metade dos brasileiros que conheço aqui tem casa própria e carro próprio. Outro dado esclaracedor, menos de 30% dos brasileiros que conheci começaram a vida como residentes legais deste país. Coisa a se pensar... O Brasil com todas suas virtudes, é um país que já expulsou toda sorte de imigrantes. Inclusive, tentou fazer o mesmo com minha mãe na década de 70, e não fosse meu pai ter ido a brasília falar com um general do governo militar, hoje eu estaria escrevendo este blog em alguma outra língua, provavelmente espanhol. Por muitos anos, mesmo com meu pai trabalhando no Brasil, minha mãe não pode usar a rede pública de hospitais e outras coisas mais... Se amo o Brasil, e em especial a minha cidade o Rio de Janeiro, é pelas pessoas que conheci, e pelo que nosso país oferece de melhor... Se fosse pelo "Mito do Sonho Brasileiro", acho que ficaria muito a desejar.

nóia do Ram em quinta-feira, março 03, 2005/

terça-feira, março 01, 2005

 
LACRAIA DO NESTOR

O Nestor argentino conseguiu reduzir a dívida de seu país de 102 bilhões de dólares, para 30 bilhões, renegociando cerca de 80% da dívida com sua oferta de 30 centavos para cada dólar. A banca brasileira, os tecnocratas do FMI, deram como certa o fracasso, ao menos parcial, em tal empreitada. Para felicidade dos argentinos, parece que deu certo. Assim como havia dado certo para os tigres asiáticos, para China e para Índia outras idéias amplamente condenadas pela comunidade (financeira) internacional. Para infelicidade dos fetichistas de política econômica, a dolarização da argentina, alardeada como uma idéia genial, teve o desfecho que mereceu. Ao menos nisso, o FHC evitou seguir as instruções da banca que o pressionou para dolarizar a economia ("The Chastening: Inside the crisis that rocked the Global Financial System and Humbled the IMF" de Paul Blustein, disponível na livraria ao lado da Moe's).

Num momento de lucidez, falando como síndico de prédio, Kichner disse que economizou o salário dos trabalhadores argentinos. Este tipo de lucidez falta nas equipes econômicas brasileiras, que sempre aparecem com suas tiradas Bushianas de terror e ameaças com o desastre que seria tirar uns caraminguás dos banqueiros. Ou seja, não podemos economizar o salário da banca internacional, por credibilidade (talvez do phd da ekipe econômica), por estabilidade (o melhor é sofrer pra sempre com a dívida impagável) ou por pressões da dolarizada e mínima classe alta nacional. A falência desta classe talvez determinou o futuro da Argentina, que depois do desastre se recupera a passos largos.

Pois bem, a dívida do Brasil está em cerca de 285 bilhões de doletas. Dívida esta que nunca será paga, pois não interessa ninguém. A começar pelos próprios incompetentes políticos brasileiros que usam a desculpa da dívida como escudo para péssima administração. Chegando aos phds em economia da nação, que por medo ou convicção, jamais se divorciarão do círculo intelectual econômico onde seu doutoramento é entendido. E terminando em todo cidadão que direta ou indiretamente partcipa dos vários esquemas de corrupção existentes. Sem juros de dívida como justificar os vazamentos de capital?

Apesar disso, todos sabem que a única solução para este monstro é dar um pé na bunda da banca internacional. A banca internacional só serve mesmo para ganhar dinheiro para os outros. Uma banca internacional nunca financiou uma microsoft, ou mesmo gerou o ambiente para uma Bangalore. Muito pelo contrário, a Microsoft e Bangalore, com sua competência e eficiência, é que atrairam os urubus financeiros. Ainda assim foram espertos, e por muito tempo regularam a partcipação destes últimos (ou será que alguem esquece que por mais de 15 anos a Microsoft foi pressionada a dar dividendos, que ela se recusou a fazer. Depois do incidente Netscape, todos consideraram isso uma cartada genial do Bill Gates...). Não se deve culpar o banqueiro. Ele está ali pelo lucro. Deve se culpar sim o burocrata que se mete em enrascadas por interesse próprio ou por cair na balela dos representantes dos banqueiros...

Falando em ironia, a Microsoft que foi público em 1986, tem hoje uma capitalização de cerca de 290 bilhões de dólares. Ou seja uma dívida brasileira. Boas idéias, com homens de negócio de audácia, quando não continuamente perturbados pela influência do poder político, geram ótimos dividendos. Um dia quem sabe o Brasil embarca nessa. Até lá iremos ganhar copas do mundo, enquanto os argentinos ganham bons salários, ótimas bibliotecas e um sistema universitário bem melhor que o brasileiro.

nóia do Ram em terça-feira, março 01, 2005/

 
CLASSE MÍDIA

Ser classe média, ou classe mídia, é estar eternamente insatisfeito. Eternamente. Por muitas eternidades. Ser formador de opinião no Brasil é parecido, com a diferença que se está insatisfeito com os outros.

Um dia, uma idéia, quebra a cabeça das pessoas. Não é a toa que o mundo está dividido entre aqueles que vivem com enfado, carregando as lepras do passado, e os que vivem como eternas crianças, criando e experimentando. O que não é tão óbvio, mas é verdade também, é que tais divisões podem ser identificadas nas divisas geográficas do mundo. Em alguns casos, nas políticas também.

O espírito está morto quando não se cria nada de novo, quando não se pensa nada de novo, quando não se faz nada de diferente. Não precisa ser grandioso, mas precisa parecer sonho, nunca pragmatismo. O pragmatismo é reservado para aqueles com mais de 60. 60 frustrações.
O criar não é classista, direito de alguns poucos, os escolhidos. Até animais criam. E o homem cria sem saber como. São poucos os que se conhecem.

Entristece, quando pessoas em seus vinte e tantos, vivem com espectros mais adequados a aqueles de cento e tantos. Mazelas, inexistência de caminhos, dificuldades. Muitas coisas podem explicar. Mesmo assim, entristece. Vinte e tantos é como viver com dez e tantos só que com suas loucuras podendo mudar os de quarenta e tantos. Portanto, quando os de vinte e tantos vivem para encontrar consolo para si mesmos quando chegarem aos quarenta, algo se perde.

Num momento de grande revolta, pode se colocar tudo no mesmo saco: planos, neuras, medos, conquistas. Todos são esqueletos, moldura para a adequações dos músculos. Em verdade, se vive muito por medo. E se morre pouco por ele. O que mais gera medo é o conforto. Algum filósofo já disse que o conforto é a morte de tudo.

Um dia a carne apodrece, e fim. Assim se diz o realista, e fim. O anti-realista, diz que nunca tem fim. Entre os apóstolos de um lado e de outro, nenhum se preocupa com o que vem antes do fim. Nenhum deles senta na sala de cinema para assistir ao fim do filme. Senta para assistir o filme. Ou seriam do tipo que fazem amor pela sensação de orgasmo? Isto, conhecimento universal, é mecânico.

A diferença entre o homem e a partícula que o forma é esta: a partícula é mecânica, quântica ou relativista ou newtoniana, o homem é arbitrário. Provido de livre arbítrio, como foi demonstrado por físicos e matemáticos*, que antes tinham certeza do homem mecânico. Mais um hábito dos espectros: viver por modelos.

O modelo começa como uma aproximação imperfeita da realidade. Um pouco de correlação, como quando uma gota da água cai na pia do banheiro quando você abre a porta, pode gerar um modelo. Infelizmente, a artimanha da mente humana é transformar a realidade numa versão infeliz do modelo. Por mais que se entorte o modelo ou a realidade, ou o que se chama por realidade, e o que se diz por modelo, nunca serão um só. Nem mesmo em aproximação. O delta a enésima potência vai ser diferente.

O modelo é util, permite projeções. Útil em algumas coisas. Em outras tira o charme. Qual a utilidade de se entender um arco-íris ou porque a gota chega ao chão ao mesmo tempo que você? Para 97% dos átomos, nenhuma. Mas para os arbítrios dos livres, parece ter se tornado razão para neuras, e para viver como 40 aos 20. O modelo prevê um monte de coisas, e assim prevê nosso próprio destino. Esquecemos que mesmo o modelo está enfadado ao fracasso no longo prazo, por causa do delta a enésima potência. Ninguém ensina isso em lugar nenhum.
Ninguém ensina que um corpo só aproximadamente, só visualmente, chega ao solo ao mesmo tempo que outro.

Então só aproximadamente a vida é compreendida, definida, predestinada. O pior é que a maioria das aproximações é pessima. Só que ao contrario dos modelos de outras áreas, na área da vida quando a aproximação é ruim, por medo se conforma ao modelo. Se mexe nos pontos experimentais para encaixar na curva esperada. É o medo. O mesmo medo em outras ciências, faz a mesma coisa. Mas logo são esquecidos, estes modelos falsos todos. Morrem.

Muitos imaginam que o modelo captura o esperado, que a vida é capturada em uma expectativa. Em muitas áreas, quando se entendeu melhor, se convive com modelos com consequências impensáveis, não esperadas. Loucuras. Até no mundo previsível dos modelos, pouco se pode prever. Mas na vida, a expectativa ainda captura tudo.

Das expectativas, a maior é aquela que se chama de viver por ação e recompensa. Age-se aqui, constrói-se ali, pela recompensa. Este é o modelo. Quando o modelo vira verdade, e a verdade uma paródia ruim do modelo, começam as neuroses e a morte. A morte porque como em ciência, todo homem gosta de mensurar. Se mensura usando a métrica da expectativa. Da ação-reação. A ação-reação é o crucifixo das crianças de hoje. A realidade contada pos-mortem, é construida satisfazendo este princípio: a cada ação, correspondeu uma reação, que aos poucos carregou a pobre alma de A até B.

Infelizmente, nem mesmo as idéias mais cruas da realidade, quando analisadas com profundidade parecem aceitar este princípio. Newton aceitava, Einstein mais ou menos, Feynman praticamente rejeitava. E hoje, vive se em confusão. Mas a confusão é causada por alguma ação, a rejeição de modelos, e portanto se busca algum modelo para continuar flutuando após o naufrágio. E assim nascem todos aqueles espectros, que aos vinte vivem de cento e quarenta.

Os de cento e quarenta em geral morrem dizendo que se soubessem que era assim, teriam vivido diferente. Os de vinte afirmam, não fosse pelo modelo, pela ação-reação, chegariam aos cento quarenta diferentes. Mas ambos são vítimas do medo, das neuras, das convicções emprestadas. Da impossibilidade completa de imaginar, e compreender um universo diferente, com nuances diferentes, com deltas a enésima potência.

As palavras não tem muita importância. Só estão famosas porque o modelo é transmitir saber. E imagina-se que saber é replicar palavras. Destilar e replicar palavras. O que é ruído ambiente, se torna música da alma. O saber deve tem sua importância. Sua validade. Mas mesmo o saber é somente uma aproximação do experimentar, do conhecer. Ninguém ensina criança alguma a tocar, sentir, rir. No entanto, ensinam o medo, as nóias, as expectativas. E quando aparece o saber diferente, de outra maneira, de outra cor, credo, casta, filiação, sexo, natureza, espécie, este não se transmite, porque poderá invalidar o tal modelo. O modelo construido a partir de transmitir saber... Uma contradição.

A única observação é que por mais que os vinte e tantos vivam como os de quarenta, ou os de quarenta tenham neuras de sessenta, poucos parecem livres da insônia e do temor. Mesmo aqueles que parecem receber tudo que o modelo prevê, suas expectativas, estão sempre insones e temerosos. Talvez seja a morte. Ou talvez seja porque a morte está tão distante. Pois para quem vive como um morto, a espera deve ser um pesadelo.

* Ver "Free Will Theorem" de John Conway.

 

Powered By Blogger TM

Weblog Commenting by HaloScan.com